Cingir-me-ei, portanto, a discutir rapidamente o famoso caso Górdon Davis, obtido pelo professor Soal com a médium de voz_direta Sra. Blanche Cooper e publicado nos Proceedings of the S. P. R., vol. XXXV, págs. 560-580.O próprio professor o resume nestes termos:

    • Trata-se de um caso em que, pela voz direta, se comunicou espontaneamente uma personagem julgada morta pelo experimentador.

      • Essa personagem reproduziu de maneira mais ou menos exata a tonalidade da sua voz, a acentuação das palavras, o seu modo característico de exprimir-se.
      • Além disso, descreveu episódios da sua meninice, conhecidos do experimentador, acrescentando dois ou três incidentes que este último ignorava.
      • E, mais do que tudo, interessante é o fato de haver feito uma descrição precisa das circunvizinhanças e da arrumação interior de um apartamento em que iria habitar um ano depois. (Ver: Promonição)
      • Mais ainda: remontando ao passado, referiu-se com exatidão ao ambiente em que pela última vez se encontrara com o experimentador, repetindo, em substância, a conversação em que então se empenharam.
      • Finalmente, conduziu-se como se fora um defunto desejoso de mandar uma mensagem de conforto à esposa e ao filho.
      • A seu tempo, porém, o experimentador veio a descobrir que a dita personagem ainda era viva e, por meio de um diário de negócios que esta última possuía, chegou a saber também, com precisão, o que ela fazia quando se realizaram as duas sessões mediúnicas em que se manifestara.”
Este último pormenor acerca do caso em apreço, o de achar-se Górdon Davis, de ambas as vezes em que se manifestara_mediunicamente, no seu próprio gabinete a falar de negócios com alguns clientes, é o a que atribuem grande valor teórico os opositores, dizendo que, se assim era, não podia tratar-se de autêntica manifestação de vivos, inferência que, por lei de analogia, se deveria ter aplicado a manifestações análogas dos defuntos. Apresso-me, portanto, a observar que os diálogos verificados no caso do vivo Górdon Davis, sendo de brevíssima duração – que de certo não excedeu de um minuto – autorizam a aplicar-se a esse mesmo caso as considerações sugeridas pelo incidente ocorrido com o Rev. Allen, isto é, que, se naquele breve lapso de tempo o vivo Górdon Davishouvesse estado nas condições de “ausência psíquica”, não só ele próprio não houvera dado por isso, como também não o teriam percebido os clientes com quem tratava de negócios, porquanto estes considerariam aquele seu estado como de recolhimento, para refletir antes de pronunciar-se sobre o assunto que se debatia.
Quanto às outras circunstâncias enumeradas pelo Prof. Soal no resumo acima reproduzido, nenhum valor teórico apresentam em sentido negativo e ninguém manifestou o propósito de utilizá-lo nesse sentido. Importa, no entanto, esclarecer alguns pontos de tais circunstâncias. O primeiro a elucidar-se é que, manifestando-se pela voz direta , o comunicante demonstrou positivamente que se cria defunto. Explica o Professor Soal que ele próprio acreditava que Górdon Davismorrera na guerra e acrescenta:



    • “Semelhante dramatização mediúnica de um vivo, em que este, preciso e exato nos pormenores pessoais que forneceu, cria estar defunto, se poderia explicar supondo que tal ideia lhe fora sugerida pelas convicções espíritas da médium que, a seu turno, teria recebido falsas informações acerca da mentalidade do experimentador.. Mas, será esta a verdadeira interpretação dos fatos? A esse propósito, cumpre se leve em conta a circunstancia de não haver o comunicante fornecido detalhe especial sobre o fato da sua morte...”


Por minha conta, acho que a hipótese do Professor Soal, conquanto legítima, não se adapta perfeitamente ao caso em exame, porquanto, se analisam e comparam outros casos do mesmo gênero, em que se depara com o mesmo erro de supor-se que são defuntos os comunicantes, é-se levado a deduzir que, mais de acordo com as modalidades sob as quais os fatos se produzem, seria o presumir-se que são os próprios comunicantes que se julgam colhidos de improviso pela morte, visto que, achando-se em condições mais ou menos incipientes de “ bilocação”, com relativa desorientação psíquica, não podem eles deixar de crer que desencarnaram subitamente. São em bom número os casos que autorizam essa interpretação; aqui, porém, citarei um só, relatado pelo Professor Schiller, no Journal of the S. P. R. (1910, página 87) e obtido com a Sra._Piper. Trata-se de uma ancià, enferma, de “demência senil”, sujeita a breves crises de “transe”, durante as quais se manifestava mediunicamente, à distância, discorrendo sobre interesses familiares, demonstrando-se na plena posse das faculdades mentais, excetuada a circunstância de supor-se morta, quando, entretanto, os experimentadores a sabiam viva e demente. Daí se segue que, neste caso, é mais verossímil presumir-se que a comunicante, por se achar temporariamente em ambiente espiritual e, aí, de posse da razão, lembrando-se de haver estado enferma e demente, haja racionalmente concluído que desencanara. A esse propósito, observa o professor Schiller:

    • “... Este caso suscita induções teóricas de natureza muito importante. Dir-se-ia que a nossa consciência_pessoal, ou, mais precisamente, o que se denomina a alma, não se acha tão estreitamente vinculada ao corpo nas suas manifestações – conforme se há sempre suposto – e que também não é inteiramente uma representação das funções do corpo, como pareceria não só racional, mas cientificamente “ortodoxo” supor-se. Em outros termos: o órgão_cerebral poderia funcionar de modo tão incoerente que irresistivelmente sugerisse a anulação da alma, quando, ao contrário, poderia dar-se que a alma, em tal momento, leve uma vida independente, noutra “esfera”, ou “plano” de existência, embora não cheguem a exprimir essas suas novas condições de vida por meio de um órgão cerebral, cuja posse, em sentido prático, já ela não tem...” (Loc. cit., pág, 91).
Faço notar que as considerações racionais do professor Schiller, baseadas no fato de “não se achar a alma, em suas manifestações, tão estreitamente vinculada ao corpo, conforme sempre se supôs”, não só subentendem tudo quanto tive de expor com relação ao caso em apreço, como se revelam conformes à mais provável interpretação do mesmo caso, em que tudo concorre para demonstrar que, fundamentalmente, se tratava de um episódio mais ou menos incipiente de “ bilocação”, ou, se o preferirem, de “psicorragia” – para usar o neologismo proposto por Myers –, segundo o qual nos acharíamos por vezes em presença de “um elemento psíquico posto de súbito em liberdade”, o que implicaria uma “excursão psíquica”, ou uma “invasão” de qualquer coisa de psiquicamente substancial que tem “alguma relação com o espaço”. No caso Górdon Davis, dever-se-ia dizer que essa “invasão psíquica” se revelara suficientemente para combinar-se com os fluidos que a médium exteriorizara, manifestando-se individuada na voz direta.
Assim sendo, tudo isso serviria para explicar a circunstância de haver “Nada” – o Espírito-guia da médium – interrompido duas vezes a comunicação_mediúnica, para observar que o Espírito que se comunicava era forte demais para o médium e que, por conseguinte, esta sofria fisicamente com a manifestação. De fato, ao fim da sessão a médium acusou delíquio e cefalalgia, sintomas que antes jamais experimentara. Resultou daí que, na segunda sessão. “Nada” não permitiu mais que o Espírito de Górdon Davis se comunicasse diretamente, encarregando-se ele próprio de interrogá-lo (ouviam-se os sussurros da conversação entre Espíritos), para, em seguida, transmitir as respostas ao experimentador. Ora, o fato de ser o Espírito Górdon Davis forte demais para o médium dá lugar a supor-se que isso acontecia devido à “invasão psíquica” de um Espírito encarnado, levando consigo elementos psíquicos fortemente impregnados de fluidos terrenos. Note-se que “Nada” não percebera que se tratava de um vivo, erro com que se depara em outros casos do mesmo gênero; mas, nem sempre é assim, pois que, ao contrário, os Espíritos-guia distinguem quase sempre o vivo do defunto, por causa da densidade do corpo etéreo do primeiro.

[111 - páginas 99 a 103]
Ernesto Bozzano


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